domingo, 20 de dezembro de 2009

Dias de dezembro

Ela partiu em dias ensolarados de dezembro carregando consigo um pequeno ser. Ser que a partiu e levou de mim os belos olhos iluminados de luar.

Ela gritou durante a noite, quando as ilusões noturnas me atingiam, despertei com agulhas furando meus ouvidos, e olhei de lado a procura dos olhos de luar. Alvos e famintos pela salvação da dor que a golpeava. O vinho derramado em sedas brancas formava uma mórbida cena, qual eu nunca quisera presenciar, dedos tocavam sua pele em busca de cessar o vinho, eu gostava da cor, mas repelia o cheiro. Outras agulhas dessa vez mais grossas perfuraram minha audição, e quando dei por mim estava gritando, pedindo a Deus salvação. Brancos entraram no quarto manchando-se com o vinho escorrendo pela cama, fiquei de pé e acompanhei a procissão, sabendo que o corpo adorado era também meu corpo, minha alma também estava ali.
E com o nascer do sol, eu senti que a perdia, assim como a criança perde a mãe, assim como o drogado perde a droga, assim como a noite perde a lua, eu sabia que ela não voltaria isso era um suicídio involuntário.

E fim.

Minha audição falhou e não ouvi mais a música de seu coração. O vento lá fora também parou, e ela partiu em dias ensolarados de dezembro. Minha alma também se foi, então o relógio parou.
Olhei sua face, seus olhos cerrados, tão belos olhos, que agora estavam escondidos pela cortina que não haveria mais de abrir. Sua boca de outono, sua boca outono, seus olhos cobertos, sua boca de outono, sua boca de outono, seus olhos cobertos.

Esconderam o vinho, limparam o vinho da seda. Eu não queria me manter sóbrio, não agora, não agora, não antes, tampouco depois de o cadáver desaparecer.

Estão gritando lá fora, estão gritando cada vez mais alto. Eles colocaram terra sobre o seu corpo, mas eu não entendia o porquê. Era tão belo, por que esconder a beleza? Por quê? Estão gritando lá fora, e eu entrei na casa vazia, não tinha nem se quer minha sede.

Uma música cantou em meus ouvidos, era sua voz, eu tinha certeza, a música era ela. Então foi um pesadelo? Não conseguia acreditar, foi apenas um pesadelo, um forte pesadelo, ela estava ali do meu lado, tão linda e mágica, tão mágica e linda. Estão gritando lá fora, estão gritando lá fora, estão gritando lá fora, estão gritando lá fora. MANDE-OS CALAR A BOCA!
Ela então sorriu pra mim, e sua boca era de verão, como antigamente. Um ardor de felicidade me consumiu inteiro, mas eles ainda não calavam a boca.

Passaram-se noites, e dias, e ela ainda estava ali. Eles não paravam de gritar. Sentia uma dor em minha barriga, ela reclamava, mas o som da música era mais forte. Minha garganta gritava por algo, mas eu não sabia o que era.

Estão gritando lá fora, mas eu não consigo entender, mas eu sei que estão gritando lá fora. Estão sim, por que você finge que não escuta? Por quê? Mande-os calar a boca, eu vou sair lá fora, e vou mandar, estão gritando muito, eles não se cansam.
Abri a porta, era estranho sentir o vento e o sol tocarem minha pele, quanto tempo fiquei trancando em casa com ela, e o medo de perdê-la? A música continuava junto com os gritos.

Os gritos vinham do rio, subi até lá pra ver, eles vinham das águas profundas, frias e límpidas. Por que a água do rio gritava comigo?

Meus olhos olharam de lado, em um súbito ímpeto a vi, sorrindo para mim, meu coração mais uma vez inundou de uma felicidade eterna. E as vozes cessaram.

Ela fez as vozes cessarem, eu sei que ela fez.

Ela caminhou, vestida em uma linda seda branca, ela caminhou.
Meu coração parou de espanto, quando vi que seus passos não se dirigiam a mim, o que eu fiz de errado? O que eu fiz de errado?

Ela pulou no rio.

Eu tenho que salva-lá.

A água me cobria, raivosamente, eu não entendia o porquê. Meus olhos não avistavam seu corpo, não conseguia encontrá-la.

Minha garganta ardia, meu nariz, tudo em mim queimava fortemente.

Eu a vi no fundo do rio.
- Priscila Cavalcanti.

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